sexta-feira, 28 de novembro de 2014

STJ: Limite econômico para concessão do auxílio-reclusão pode ser flexibilizado


A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo (REsp 1.112.557) que admitiu a flexibilização do critério econômico para concessão do Benefício de Prestação Continuada pode ser aplicada ao auxílio-reclusão quando o caso revela a necessidade de proteção social, permitindo ao julgador flexibilizar a exigência para deferir a concessão do benefício. 
 
Com esse entendimento, a Primeira Turma do STJ manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que determinou o pagamento do auxílio a uma segurada reclusa cuja última remuneração recebida superava em pouco mais de R$ 10 o valor legalmente fixado como critério de baixa renda. No caso julgado, o valor limite atualizado pela Portaria MPS/MF 77, de março de 2008, era de R$ 710,08, e a última remuneração da segurada foi de R$ 720,90.

O TRF3 considerou que o valor superado era irrisório e não impedia a concessão do benefício pretendido. O INSS recorreu ao STJ, sustentando que, para a concessão do auxílio-reclusão, é indispensável a prova de que o segurado recluso enquadra-se no conceito de baixa renda, exigindo-se a demonstração de que o valor do último salário de contribuição é inferior ao patamar fixado em lei.

Argumentou, ainda, que o valor da renda bruta mensal é o único critério utilizado para a concessão do benefício e que a segurada não se enquadra no limite previsto na legislação.

Semelhança

Acompanhando o voto do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a Turma entendeu que a semelhança do caso com a jurisprudência firmada pelo STJ em relação ao Benefício de Prestação Continuada permite ao julgador flexibilizar também o critério econômico para deferimento do auxílio-reclusão, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado para configurar baixa renda.

Em seu voto, o ministro ressaltou que a análise de questões previdenciárias requer do magistrado uma compreensão mais ampla, ancorada nas raízes axiológicas dos direitos fundamentais, a fim de que a aplicação da norma alcance a proteção social almejada.

“Este benefício é mal compreendido pela sociedade. Não se trata de assistência social ao preso. O benefício destina-se aos dependentes de segurado que contribuía para a Previdência Social no momento de sua reclusão”, enfatizou o ministro, destacando que o auxílio-reclusão possui relevante valor social, uma vez que busca amparar os dependentes do segurado que subitamente são desprovidos de meios de subsistência.
Maia Filho lembrou que no caso analisado, o tribunal de origem julgou procedente o pedido ao fundamento de que a renda mensal da segurada (R$ 720,90) superava em muito pouco o limite legal fixado à época de seu encarceramento (R$ 710,08). “Nessas condições, é possível a flexibilização da análise do requisito de renda do instituidor do benefício, devendo ser mantida a procedência do pedido reconhecida nas instâncias ordinárias”, concluiu o relator.

Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso interposto pelo INSS.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

STJ: Trabalhador não precisa estar na atividade rural no momento em que pede aposentadoria híbrida

O trabalhador tem direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, quando atinge 65 anos (homens) ou 60 (mulheres), desde que tenha cumprido a carência exigida com a consideração dos períodos urbano e rural. Nesse caso, não faz diferença se ele está ou não exercendo atividade rural no momento em que completa a idade ou apresenta o requerimento administrativo, nem o tipo de trabalho predominante. A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou o entendimento do relator do recurso, ministro Herman Benjamin, e reconheceu o direito de uma contribuinte à aposentadoria híbrida, desde a data do requerimento administrativo.

A forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho foi criada pela Lei 11.718/08 (que alterou a Lei 8.213/91) e contemplou os trabalhadores rurais que migraram para a cidade e não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos e para os rurais.
“Se a aposentadoria por idade rural exige apenas a comprovação do trabalho rural em determinada quantidade de tempo sem o recolhimento de contribuições, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no artigo 48 da Lei 8.213, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições da atividade campesina”, explicou Benjamin.

Requisitos

No caso, a contribuinte preencheu o requisito etário (60 anos) e apresentou o requerimento administrativo três anos depois. Na Justiça, foram ouvidas duas testemunhas que afirmaram que ela exerceu a atividade rural entre 1982 e 1992, correspondente a 126 meses. O INSS, por sua vez, reconheceu 54 contribuições em relação ao tempo urbano.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) condenou o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por idade à contribuinte, na forma híbrida, desde a data do requerimento administrativo, formulado em fevereiro de 2011.
“Preenchendo a parte autora o requisito etário e a carência exigida, tem direito à concessão da aposentadoria por idade, a contar da data do requerimento administrativo. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea, sendo dispensável o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício”, afirmou a decisão do TRF4.

O tribunal regional considerou que, “somados os 126 meses de reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à concessão do benefício, na forma prevista pelo artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213”.

Inconformado, o INSS recorreu ao STJ, sustentando a impossibilidade de a contribuinte valer-se do artigo 48 da Lei 8.213, pois era trabalhadora urbana quando completou o requisito de idade, e a norma de destinaria a trabalhadores rurais. Além disso, seria impossível o cômputo do trabalho rural sem o recolhimento de contribuições.

Dignidade

Em seu voto, o ministro Benjamin ressaltou que, sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718 corrige uma distorção que ainda abarrota os órgãos judiciários em razão do déficit da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho pela cidade, passaram a exercer atividades diferentes das lides do campo.
Antes dessa inovação legislativa, segundo o ministro, o segurado em tais situações vivia um “paradoxo jurídico de desamparo previdenciário”, pois, ao atingir idade avançada, não podia obter a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como conseguir a aposentadoria urbana porque o tempo dessa atividade não preenchia o período de carência.
Segundo ele, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista aponta para um horizonte de equilíbrio entre as necessidades sociais e o direito e acaba representando a redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
“Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial. Muito pelo contrário. Além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana e, assim, maior tempo de trabalho, conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não possui”, afirmou o ministro Benjamin.
O relator concluiu que o que define o regime jurídico da aposentadoria é o trabalho exercido no período de carência: se exclusivamente rural ou urbano, será respectivamente aposentadoria por idade rural ou urbana; se de natureza mista, o regime será o do artigo 48, parágrafos 3º e 4º, da Lei 8.213, independentemente de a atividade urbana ser a preponderante no período de carência ou a vigente quando do implemento da idade.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

ARTIGO: O INSTITUTO DA DECADÊNCIA E OS ATOS INDEFERITÓRIOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: Princípio da Segurança Jurídica x Garantias Fundamentais




O INSTITUTO DA DECADÊNCIA E OS ATOS INDEFERITÓRIOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: Princípio da Segurança Jurídica x Garantias Fundamentais

 *Por Joeslany Melo

Sob a égide de uma Constituição Cidadã e caracterizada por sua rigidez, a legislação brasileira encontra limites para a proteção de algumas matérias, quais sejam a forma federativa do Estado, o voto secreto, universal e periódico, a tripartição dos Poderes e os Direitos e Garantias Individuais.

Os direitos sociais, nos quais estão inseridas à Previdência e à Assistência Social – objetos do presente artigo, encontram-se elencados no artigo 6º da Lei Maior, inserindo-se nos direitos e garantias individuais e, consequentemente, possuindo maior rigor na sua proteção.

Para a interpretação e aplicação da Constituição Federal, faz-se necessária a existência de normais infraconstitucionais que regulamentem a matéria, dando diretrizes para assegurar os direitos Maiores sem jamais contrariá-los.

Em matéria previdenciária, essa regulamentação se dá por meio de leis, decretos, súmulas e entendimentos jurisprudenciais construídos na TNU, STJ e no próprio STF, porém sempre sob o crivo constitucional.

Nesse norte, importa ressaltar um entendimento que foi construído em torno do instituto da decadência a partir da má interpretação dada a MP 1523/97, convertida na Lei 9.528/97, que alterou o art. 103 da Lei 8.213/91 que hoje está assim redigido:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.” (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)

Com texto ambíguo, por muito tempo, esse dispositivo motivou uma forte discussão jurídica: uns entendiam que o prazo decadencial de dez anos se aplicava para a revisão de benefícios deferidos e indeferidos, outros, que se aplicavam apenas aos benefícios concedidos, tudo em razão da interpretação dada a expressão “do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.

Os defensores da primeira corrente acreditam que a referida expressão refere-se ao indeferimento do benefício, o que permitiria que o instituto da decadência incidisse sobre os benefícios concedidos e indeferidos, garantindo assim o princípio constitucionalmente previsto da segurança jurídica. Com fulcro no brocardo jurídico que diz dormientibus non sucurrit jus” (o direito não socorre aquele que dorme), aduzem que a existência de um lapso temporal para o exercício do direito é uma maneira de disciplinar a conduta social, agindo o tempo como vetor de estabilidade das relações jurídicas o que marca a prevalência da segurança jurídica sobre a justiça.

Nesse mesmo norte, a Turma Nacional de Uniformização publicou, em 23.08.2012, a seguinte súmula:

Súm. 64. O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos.

 Já os patronos da segunda tese acreditam que a expressão refere-se ao indeferimento do pedido de revisão de um benefício já concedido, pois entendem que não há que se falar em aplicação da decadência sobre direitos fundamentais constitucionalmente previstos como são os direitos sociais.

Diante da acirrada discussão, a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal que, através do julgamento do RE 626.489, interposto pelo INSS, reconheceu a repercussão geral da matéria e entendeu pela prevalência dos direitos fundamentais sobre o princípio da segurança jurídica.

Partindo da premissa de que o direito à previdência e assistência social são garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, pois, conforme destacou o ministro Luiz Roberto Barroso, relator do processo, “se assenta nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade e nos valores sociais do trabalho, bem como nos objetivos da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, avançar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais”, o prazo decadencial introduzido pela Lei 9.528/97 atinge tão somente a pretensão de revisar o benefício já concedido.

Vejamos trecho da ementa do voto do Ministro Barroso no RE 626.489/SE:

1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.

Assim, pela própria natureza do direito previdenciário, temos que, preenchidos os requisitos autorizadores da concessão de um benefício, o mesmo pode ser concedido a qualquer tempo, independente de quando foi o indeferimento administrativo, haja vista a inexistência de prazo para o exercício de direito fundamental.

Nesse sentir, vejamos trecho do julgado do TRF da 4ª Região que aplicou o recente entendimento esposado pelo STF:

A decadência previdenciária, ao contrário do que ocorre com a prescrição, atinge o próprio 'fundo de direito', isto é, uma vez decorrido o prazo legalmente previsto impede o próprio reconhecimento do direito, vedando assim também qualquer produção de efeitos financeiros. 2. Todavia, é preciso que se frise que seu objeto, até mesmo em face dos princípios da hipossuficiência e da protetividade dos segurados, é bastante limitado, atingindo exclusivamente a revisão do ato de concessão de benefício. 3. Não há decadência do direito ao benefício, ou seja, do direito à revisão do ato administrativo de indeferimento do benefício, já que o dispositivo legal determina a sua incidência quando em discussão revisão de ato concessório, isto é, benefício já em manutenção. 4. O segurado pode, a qualquer tempo, requerer, judicial ou administrativamente, benefício cujo direito tenha sido adquirido há bem mais de 10 anos e tenha sido indeferido na via administrativa. 5. Cuidando-se de prestações de natureza continuada apenas as cotas devidas no quinquênio anterior à propositura da ação é que são alcançadas pela prescrição. Súmula n.º 85 do STJ.
(TRF-4 - APELREEX: 225912620134049999 PR 0022591-26.2013.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 02/04/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 11/04/2014)

Sendo assim, não há que se falar em decadência do direito de pleitear, mas, somente, na prescrição das prestações anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação, conforme disposto na súmula 85 do STJ.

No entanto, em respeito ao princípio da segurança jurídica e à manutenção do equilíbrio atuarial e financeiro do Regime Geral de Previdência Social, faz-se necessário a fixação de um prazo decadencial que deve ser aplicado para limitar a discussão sobre a repercussão econômica de benefício já concedido, pois como sustentou o ministro “é desse equilíbrio que depende a continuidade da própria Previdência, não apenas para a geração atual, mas para as que se seguirão”.

Desta feita, há ainda de se observar que, diante da manifestação da Suprema Corte e da supremacia da norma constitucional, alguns posicionamentos deverão ser revistos, inclusive a retrocitada súmula da TNU que determina a aplicação de prazo decadencial nos casos de indeferimento de benefícios previdenciários e assistenciais.

O entendimento da Turma Nacional de Uniformização encontra-se ultrapassado e contradiz o posicionamento da Suprema Corte, o que pode e deve ensejar o cancelamento da referida súmula, sob a pena da sua aplicação ferir entendimento superior na hierarquia das normas.

Sendo assim, por tudo o que foi exposto, resta claro que, no que tange aos atos de indeferimento de benefícios previdenciários, a decadência é instituto que não deve ser aplicado, haja vista do direito à previdência e assistência social, elevado à Carta Magna à condição de direito fundamental, não se submete a limites temporais, podendo ser requerido a qualquer tempo, eis que se constitui no exercício de direito fundamental.

*Joeslany Melo é advogada MARCOS INÁCIO ADVOCACIA.