A
justiça federal em todo o Brasil por muitos anos discutiu a necessidade ou não
do prévio requerimento administrativo para fins de obtenção dos benefícios
previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, administrado
pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Somente
ao final do ano de 2014 o STF pôs fim à celeuma, ao julgar o Recurso
Extraordinário 631.240, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, confirmando
a necessidade de se buscar inicialmente a administração pública e, somente após
a resposta desta (ou da ausência de resposta no prazo legal), é que nasce o
interesse de agir, abrindo a via judicial para o interessado:
“Esta é a interpretação mais adequada
ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça
originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à
Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria.”
(trecho do Voto do Relator, Min. Luís
Roberto Barroso. RE 631.240).
Em
linhas gerais, prevaleceu o entendimento de que a procura direta à Justiça, por
parte do beneficiário do INSS, caracterizaria uma invasão indevida das
atribuições do Poder Executivo por parte do Poder Judiciário, tornando este um
“balcão” do INSS. Outro argumento utilizado foi a de que, apesar de todas as
falhas e carências da instância administrativa, esta é gratuita e prestada por
servidores especializados, fornecendo respostas em média mais rápidas.
Dessa
forma, por entender ser indispensável à caracterização da lide a pretensão resistida, entendeu a
Suprema Corte que deve haver o prévio requerimento administrativo como
condicionante ao ajuizamento da pretensão junto ao Poder Judiciário.
Entendimento, portanto, pacificado.
Ocorre que referida decisão do STF vem
sendo utilizada por advogados e pela grande maioria dos Juízes e
Desembargadores para indeferir pedidos judiciais de pagamento do seguro DPVAT,
ao fundamento de que deve-se buscar inicialmente a esfera administrativa e,
somente após resposta desta (ou demora na apreciação) estaria caracterizada a
pretensão resistida.
Entendemos que a mencionada decisão do
Supremo no RE 631.240 não se aplica ao seguro DPVAT. Vejamos os motivos.
A decisão do Supremo
fixou a tese da exigência do prévio requerimento administrativo para benefícios previdenciários, administrados
pelo Instituto Nacional do Seguro Social, que estão inseridos dentro de um
arcabouço normativo próprio (Lei 8.213/91, Decreto 3.048/99, Instrução
Normativa INSS nº. 77/2015 e Lei 9.784/99), que contém regras claras sobre o
procedimento administrativo de concessão e indeferimento de benefícios.
Já as reguladoras e seguradoras
que administram o seguro DPVAT (Seguradora Líder S/A), não estão sujeitas às
leis federais que regulam o processo administrativo. Elas seguem, apenas, a Lei
Federal que trata do seguro DPVAT (Lei 6.194/74), que é omissa quanto ao processamento administrativo do
requerimento do seguro.
Às seguradoras/reguladoras,
portanto, cabem processar, indeferir ou deferir o seguro ao seu bel prazer,
muitas vezes sem procedimento padrão próprio e sem uma decisão “administrativa”
fundamentada. Não existe na seara do seguro DPVAT, como no processo
administrativo previdenciário, uma “carta de indeferimento” por exemplo,
indicando os motivos pelos quais o pedido não foi aceito.
O processo
administrativo de concessão de benefícios previdenciários, junto ao INSS,
possui imensa diferença com o procedimento do seguro DPVAT, e com ele não pode
ser comparado.
Ainda no âmbito
previdenciário, as pessoas que atendem à população que busca benefícios
previdenciários são servidores federais concursados, cujos atos estão
vinculados à estrita legalidade. Há formulários próprios, procedimentos e
documentos padronizados, que garantem ao interessado um comprovante de que
realizou o pedido. Inclusive, quando algum pedido de concessão de benefício é
indeferido, a autarquia previdenciária encaminha à residência do interessado
uma decisão, fundamentada, através da já mencionada “carta de indeferimento”.
No âmbito do seguro
DPVAT, ao contrário, não há regramento claro acerca do processo administrativo,
cujos atendentes não são servidores públicos e não estão vinculados a normativo
próprio, a não ser o que dispõe a própria lei federal que disciplina o seguro
DPVAT (Lei 6.194/74). Se o seguro DPVAT é indeferido, a comunicação é dada
verbalmente ao interessado, pois não há, por exemplo, uma “carta de
indeferimento”, tal qual como ocorre no INSS nem outro documento que o substitua.
Quando muito, ao interessado é fornecido apenas um “número de sinistro”, para
consulta posterior ao site, porque nem sempre alguma comunicação chega pelos
correios.
Dada a essa
particularidade, aliada à precariedade estrutural e normativa que ronda o
seguro DPVAT, não pode e não deve ser exigido do cidadão o prévio requerimento
administrativo nesses casos.
A tese jurídica
encampada pelo STF deve valer apenas
para a concessão de benefícios previdenciários, não se aplicando ao
seguro DPVAT, com o qual não guarda a mínima similaridade.
Não há, aqui,
“invasão” do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Executivo, uma vez
que o seguro DPVAT não é administrado por ente público, mas sim por um ente
privado (Sociedade Anônima). Esta não se submete, por exemplo, à lei do
processo administrativo (Lei 9.784/99), que estabelece diversos direitos e
garantias aos administrados.
Outro aspecto de
fundamental importância é que sequer há previsão de “recurso administrativo” no
âmbito do seguro DPVAT. Já no âmbito do INSS, são previstos pelo menos dois
recursos administrativos: um recurso ordinário às Juntas de Recursos do INSS,
que desafia decisão da agência do INSS, e um “recurso especial”, uma “terceira
instância” administrativa, que dá a palavra final ao segurado. Inclusive, a
composição dos órgãos colegiados da Previdência é tripartite, composta por representantes
do Governo, dos trabalhadores e das empresas, o que dá uma certa paridade de
armas ao segurado (Instrução Normativa INSS/Pres nº. 77/2015).
Esse quadro
organizado e bem definido da realidade administrativa previdenciária não se vê
na esfera do seguro DPVAT. Muitos abusos e ilegalidades são cometidas nesta
seara “administrativa”, justamente devida a uma ausência de regulamento próprio,
o que, inclusive, favorecem as fraudes.
Embora o STF já tenha
julgado caso semelhante no RE 839.314 (relator Min. Luiz Fux), onde se aplicou
a mesma tese dos benefícios previdenciários ao seguro DPVAT, entendemos que a
questão ainda não foi enfrentada pelo prisma aqui esposado, de modo que a
Suprema Corte poderá e deverá enfrentar o tema num futuro próximo para que
realmente seja feita justiça para com os acidentados no trânsito, facilitando o
recebimento – inclusive judicial – do referido seguro, independentemente de
prévio requerimento “administrativo”.
Ola Dr. Me chamo Pedro Medici Fialho. Também sou advogado e trabalho com DPVAT. Grande parte de minhas ações passam sem que o juiz exija o prévio requerimento, porém ainda não cheguei à fases recursais, já que iniciei a captação há cerca de 7 meses. Concordo plenamente com o seu posicionamento, porém como poderemos moldar a jurisprudência nesse sentido? Creio que nossos esforços se tangenciam aqui. Caso queira debater o tema, segue meu whatsapp: 11-97367-7317
ResponderExcluirOlá Dr.,
ExcluirCreio que não devemos desistir da tese e tentar junto aos Tribunais uma mudança de entendimento. Devemos espalhar ao máximo esses argumentos junto aos colegas advogados(as) para que esse "movimento" ganhe força e os aplicadores da lei revejam o posicionamento atual.
Agradeço a visita ao site e me coloco à disposição.
Com certeza, no entanto muitas vezes as seguradoras contestam o mérito, gerando a tese da resistência à pretensão. Não podem extinguir os processos quando contestam o mérito. Outra coisa, se usarem por analogia o entendimento do INSS, jamais poderiam extinguir um processo sem resolução do mérito e deveriam ao invés disso, sobrestar as ações para que em 30 dias o autor ofereça o requerimento, para mais 90 dias de prazo para resposta. Isso se empregada a analogia ao INSS. Complicado, os juízes parecem não apreciar a matéria com a devida atenção. já embarguei uma com fins de pre questionamento. abraços dr
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