Parafraseando,
aqui, a expressão utilizada no Livro de autoria do advogado Joselito Nunes,
quando se refere ao inesquecível poeta Pinto de Monteiro como “Um cantador sem
Parelha”, podemos afirmar – sem medo de errar – que Sobral Pinto foi um advogado “sem parelha”.
Foi uma daquelas pessoas que custam a aparecer por aqui nesse nosso mundo,
principalmente nos dias atuais, de tempos de mensalão, corrupção, falta de
ética e etc.
Defensor
ferrenho dos direitos humanos, Sobral Pinto além de advogado, tinha a alma de
poeta. Há quem diga que foi maior até mesmo que o grande Rui Barbosa. Concordo.
Vestia-se
sempre de preto, que significava o luto pela morte de dois de seus filhos na
década de 50. O chapéu também era peça inseparável.
Em
1964 o brilhante advogado foi o primeiro a chamar o regime militar de Ditadura.
Foi preso algumas vezes porque costumava advogar gratuitamente em favor dos
presos políticos. Em uma das suas tiradas mais sensacionais, conseguiu melhorar
as condições carcerárias de um dos líderes da Intentona Comunista, o alemão Harry
Berger, preso em condição degradante, acorrentado embaixo de uma escada, invocando a Lei de
proteção aos animais. Algum tempo antes, um homem foi preso em Curitiba acusado de matar um cavalo após muitas torturas e maus tratos, com base justamente na mesma Lei.
Dentre
inúmeras (es)(his)tórias, defendeu a posse de Juscelino Kubistchek na
Presidência da República, tendo sido chamado pelo então Presidente para uma
vaga no Supremo Tribunal Federal. Sobral agradeceu o convite, mas negou-o
peremptoriamente, alegando que a ética o impedia de assumir tal função por já
ter advogado em favor do Presidente. Difícil ver uma atitude dessas hoje em dia
não?
Certa
vez Sobral foi consultado sobre um amigo que queria contratar os seus serviços
numa causa trabalhista em que figurava como réu. Sobral disse com todas as
letras que a Justiça não estava do lado do seu amigo. Após analisar os
documentos, enviou-lhe a seguinte carta:
”O primeiro e mais fundamental
dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar.
Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela
é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me
convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua
disposição.
Não seria a primeira vez que, procurado por um amigo
para patrocinar a causa que me trazia, tive de dizer-lhe que a justiça não
estava do seu lado, pelo que não me era lícito defender seus interesses.
A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. (…) O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. (…) O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão.
A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. (…) O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. (…) O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão.
É indispensável que os clientes procurem o advogado
de suas preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. (…)
Orientada neste sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de
ordem e um dos mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da
sociedade”.
Sobral
Pinto foi eleito o intelectual do ano em 1979, recebendo o troféu Juca Pato da
União Brasileira dos Escritores. Em 1981, o Papa João Paulo II condecorou-o com
o título de Comendador da Ordem de São Gregório Magno. Recebeu, também, a
medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados Brasileiros.
É
autor dos livros “Lições de Liberdade” (1977), “Por Quê e Como Defendi Luiz
Carlos Prestes e Henry Berger” (1979), “Teologia da Libertação: Materialismo Marxista
na Teologia Espiritualista” (1984), entre outros.
O
ilustre Sobral ficou conhecido em todo o Brasil por suas cartas de protesto que
enviava às mais diversas autoridades: Ministros, Governadores, Presidente da
República, etc. O dom da escrita e da palavra parecia tornar aquele mirrado
advogado uma pessoa invencível, um monstro, um Golias. Certa vez, recebeu um
elogio em forma de carta – seu instrumento favorito – do notável Carlos
Drummond de Andrade:
“Caro Dr. Sobral,
Não há brasileiro bem
informado que ignore isto: o senhor é o escritor de cartas mais fértil e mais
carojaso do país. Pois agora recebe a cartinha de um brasileiro que tem
aprendido muito com a sua inumerável correspondência. Não vou fazer a
estatística das cartas que o senhor vem escrevendo em dezenas de anos. São
milhares, talvez. E todas contém uma verdade desagradável, que pouquíssima
gente ousa dizer. O senhor ousa. O senhor, Dr. Sobral, nasceu e vive para
reclamar justiça sob as formas mais variadas. Alguém praticou uma
arbitrariedade? Negou uma prerrogativa do cidadão? Ameaçou a estabilidade das
instituições legais? Aí o senhor záz! Despeja contra o infrator a terrível
artilharia de um homem desarmado: a palavra certa. Em geral suas cartas são
irrespondíveis. Como, se o senhor esta sempre do lado justo? Se é advogado do
país, e não apenas dos clientes da sua banca. Um advogado que não chicana e nem
sequer cobra honorários, pois se julga devedor do povo. Muitas dessas cartas
surtiram efeito devastador, ou pelo menos geraram arrependimentos. De qualquer
forma; elas ficarão como testemunho de uma consciência cívica e de uma época.
Por que o senhor, no fundo, não escreve para os contemporâneos. Escreve para o
futuro, para as gerações que estão no ventre das possibilidades para o amanhã
do Brasil. E com que arte escreve… Por mais zangadas que sejam as suas cartas,
elas são gentilíssimas, e sempre humildes, como devem ser os atos do bom
cristão. Pois o senhor, reunindo amor e justiça, é rigorosamente um bom
cristão.
Nós lhe beijamos as mãos
calejadas. Esta carta deixa de ser minha apenas. Milhões de brasileiros,
agradecidos e emocionados, a subscrevem.
Carlos Drummond de
Andrade”
Para
quem quiser conhecer mais desse ilustre brasileiro, não pode perder de assistir
o documentário Sobral: o homem que não
tinha preço, lançado em Brasília no último dia 30 de setembro.
Sobral
Pinto, sem dúvida, não tem preço e nem parelha.
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